O contato diário com conteúdos gerados por inteligência artificial (IA) está mudando a forma como o cérebro humano percebe a realidade. Ao consumir imagens hiper-realistas, vídeos manipulados e textos automatizados, o cérebro interpreta esses estímulos com a mesma intensidade dos conteúdos reais, o que pode confundir a percepção sobre o que é verdadeiro e o que é fabricado.
O psicólogo Douglas Kawaguchi, do Hospital Sírio-Libanês, explica que a percepção não é um reflexo fiel do mundo externo. O cérebro combina o que chega pelos sentidos com as expectativas internas criadas pela experiência prévia.
“Não enxergamos as coisas exatamente como elas são, mas como esperamos que sejam”, afirma. Por isso, quando o ambiente digital apresenta estímulos falsos de maneira repetida, o cérebro pode começar a normalizá-los, analisando-os como reais.
Esse mecanismo, essencial para a sobrevivência humana ao longo da evolução, também pode ser um risco nos ambientes digitais. Imagens irreais, como pessoas com características distorcidas ou situações fabricadas, quando vistas repetidamente, podem ser incorporadas à memória como referências normais.
Impactos na memória e no comportamento
A exposição a esses conteúdos não altera apenas a percepção visual. Ela também interfere no modo como armazenamos informações e tomamos decisões. Quanto mais referências artificiais acumulamos, mais elas influenciam nossas escolhas cotidianas, mesmo que de forma inconsciente.Play VideoO psicólogo Edilson José Ferreira de Oliveira, do Grupo Mantevida, alerta que essa dependência de respostas prontas — seja em assistentes virtuais, seja em conteúdos gerados por IA — reduz a capacidade crítica e a memória de trabalho, essenciais para a autonomia emocional. Com isso, as pessoas podem perder a confiança na própria capacidade de resolver problemas e tomar decisões.
Além disso, o especialista em inteligência artificial e marketing estratégico Bruno Riether explica que a IA cria conteúdos cada vez mais convincentes porque aprende a reproduzir padrões humanos com grande precisão. “Ela reflete nossos comportamentos digitais e entrega versões aprimoradas da nossa comunicação”, destaca.
IA e a contraversão da realidade
O cérebro pode interpretar conteúdos artificiais como reais, ativando as mesmas áreas cerebrais envolvidas na percepção do mundo.
A dependência de ferramentas de IA para decisões cotidianas pode enfraquecer a memória e o raciocínio crítico.
Sem filtro crítico, pessoas podem sofrer ansiedade, insegurança e até confusão mental ao consumir conteúdos falsos ou distorcidos.
Mais do que limitar a IA, especialistas defendem a educação digital para preparar as pessoas a lidar de forma crítica com a tecnologia.
Jovens estão mais vulneráveis
Crianças e adolescentes são mais afetados por esse fenômeno. Como o cérebro ainda está em formação, especialmente as áreas ligadas ao julgamento e à tomada de decisões, eles são mais suscetíveis a padrões artificiais impostos por filtros de imagem, vídeos manipulados e deepfakes. Kawaguchi explica que o córtex pré-frontal (região responsável por regular essas habilidades) só se desenvolve plenamente por volta dos 25 anos.
A vulnerabilidade aumenta com o uso excessivo de telas e a falta de orientação adequada. Sem o incentivo ao pensamento crítico, essas gerações correm o risco de aceitar conteúdos artificiais sem questionamento, prejudicando o desenvolvimento de habilidades sociais e cognitivas importantes.
Os especialistas concordam que a resposta não estár em proibir a inteligência artificial, mas em educar a sociedade para lidar com ela de forma consciente. Isso envolve ensinar a identificar conteúdos artificiais, criar hábitos saudáveis de consumo digital e desenvolver o pensamento crítico.
Riether defende que mecanismos de transparência, como selos ou códigos visíveis que identifiquem conteúdos gerados por IA, são importantes para proteger pessoas mais vulneráveis, como idosos e quem tem pouco acesso à informação. Mas ele ressalta que o principal caminho é a educação.
O cérebro humano é moldável e pode se adaptar tanto a padrões artificiais quanto ao pensamento crítico. “Assim como nos adaptamos a novas realidades, podemos aprender a desenvolver filtros mais saudáveis para interpretar o mundo digital”, afirma Kawaguchi.
A inteligência artificial tem potencial para melhorar processos e tornar a comunicação mais eficiente, mas seu uso indiscriminado pode gerar confusão e impactos emocionais importantes. Os especialistas defendem um equilíbrio entre educação, transparência e responsabilidade no desenvolvimento e no consumo dessas tecnologias.
“A tecnologia em si não é o problema. O desafio está em como nós, humanos, escolhemos usá-la”, resume Riether.
FONTE/CRÉDITOS: Agencia da noticia
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